Documento foi desenvolvido a partir de projeto de pesquisa da universidade. Ruptura de paradigmas e papel social da imprensa também são abordados
Dados da Ouvidoria Nacional dos Direitos Humanos (ONDH) indicam quase 170 mil registros de violência doméstica contra mulheres no Brasil somente em 2022, sendo mais de 31 mil denúncias reportadas apenas no primeiro semestre do último ano. Se considerados os casos de feminicídio, o Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2022 identifica que 1.341 crimes foram consumados e 2.028 tentativas registradas no ano anterior ao da publicação.
Pensando nesse cenário e, em especial, no modo como a imprensa tem tratado a divulgação desses casos, um estudo realizado pela Universidade do Estado de Minas Gerais (Uemg) buscou, justamente, identificar como alguns dos grandes veículos de notícias nacionais enquadraram a representação da violência sexual contra a mulher.
Foram analisadas publicações feitas entre os anos de 2020 e 2021. Além disso, também houve monitoramento qualitativo da interação que os leitores estabeleceram com esse conteúdo, a partir de comentários registrados nos perfis dessas empresas em rede social de grande audiência.
“O enquadramento jornalístico das publicações dos veículos monitorados, mesmo com as diferenças editoriais, destacaram a forte misoginia e partriarcalismo aos quais as mulheres estão sujeitas, com a objetificação do corpo, independentemente da idade e da classe social”, avalia a idealizadora e coordenadorado estudo, professora e pesquisadora Marcela Fernanda de Souza. “As postagens também demonstraram uma pluralidade de tipificações de violência contra a mulher e do retrato da revitimização que, sob o ângulo do enquadramento, ocorreu também na perspectiva secundária, em alguns dos casos analisados”, complementa.
A percepção é validada pelos diversos comentários que acompanham as notícias nas redes sociais. Nesse ambiente, por exemplo, foram recorrentes comentários que relativizavam a agressão, com justificativas por motivos fúteis, como uma espécie de punição à mulher que se diverte, pela roupa que usa, por frequentar lugares ou estar em horários supostamente impróprios, entre outros argumentos insustentáveis.
“É importante destacar que é somente atuando diretamente e ao lado da sociedade, desconstruindo comportamentos e mentalidades patriarcais que ainda vigoram em parte da população, que será possível mudar esta realidade da mulher ser a propriedade do homem”, argumenta Marcela.
Imprensa e papel social
Professora Marcela (primeiro plano), acompanhada por parte da equipe
que auxiliou a produção do vídeo
Embora reconheça que a batalha contra a violência direcionada à mulher seja multifatorial, interseccional, interdisciplinar e abranja uma seara mais ampla de debates e desconstruções, a pesquisadora vê, na imprensa, uma importante aliada para dar início e continuidade a esse processo, reconhecendo tanto a função social que exerce, quanto a abrangência de massa que possui. Por essa razão, Marcela Fernanda decidiu que era necessário, após os resultados, também contribuir para a melhoria das coberturas jornalísticas frente ao tema, com a ruptura de paradigmas obsoletos e a interrupção de padrões discriminatórios conscientes ou inconscientes.
“[É preciso] mudar comportamentos e pensamentos que julguem a mulher culpada pelo estupro; pela violência sexual; colocar os holofotes sobre os outros fatores que não sejam sobre o suspeito – respeitando a presunção da inocência do possível agressor; entender que não é a roupa e a cerveja que a mulher ingere as responsáveis pela violência”, defende a pesquisadora. “Outro aspecto é não compartilhar fake news; procurar sempre se informar nas agências de checagem da informação. É importante ressaltar que frases como ‘o que a mulher fez para apanhar’ e ‘ela deve ter deixado ele nervoso’ não modificam a realidade e reproduzem a estrutura patriarcal que vivemos”, declara.
Cartilha e vídeo
Dois produtos foram gerados a partir do estudo para alcançar os objetivos de transformação das coberturas. O audiovisual, intitulado 'Entre a Cruz e a Espada? A representação na mídia da violência contra a mulher', foi o primeiro a ser lançado. Com quase três minutos de duração, é voltado para o público geral e apresenta números sobre a temática e, ainda, aborda brevemente algumas das tipificações da violência contra a mulher presentes na Lei Maria da Penha: física, patrimonial, sexual, moral e psicológica.
O segundo desdobramento foi a elaboração da 'Cartilha Instrucional Mídia e Violência contra a Mulher', lançada em 2022, com foco em público mais direcionado, principalmente para o profissional do jornalismo. Composto por 32 páginas, apresenta tópicos como legislações pertinentes, referências bibliográficas para aprofundamento do tema e até mesmo dicas para uma redação que não promova a culpabilização da vítima de violência.
Ambos os materiais podem ser reproduzidos e utilizados livremente, desde que mantidos os créditos de autoria.
A pesquisa "A Representação da Violência Sexual contra a Mulher no Enquadramento das Notícias e na Interação entre os Seguidores nas Redes Sociais Instagram da Folha de São Paulo, The Intercept e Veja nos anos de 2020 e 2021" foi contemplada no edital Pibic/Fapemig/Uemg nº 05/2021. Além da professora Marcela na criação e coordenação, contou com a colaboração da professora doutora Priscila Kalinke da Silva e uma equipe de colaboradores composta por jornalistas, docentes das áreas de Comunicação Social e Direito, além de estudantes bolsistas também dessas áreas do conhecimento.
Estudante Juliana Satto (esquerda), com a professora Marcela,
durante a apresentação do projeto no Seminário de Pesquisa e Extensão da UEMG em 2022
Serviços de apoio - violência contra a mulher
- Polícia Militar 190;
- Polícia Civil 197;
- Disque Denúncia 181;
- Central de Atendimento à Mulher 180;
- Disque Direitos Humanos 100.