Contraste |
| |

    Galeria Escola Guignard abre a exposição "Era uma vez" nesta quinta-feira (4/4)

    Na noite desta quinta-feira (4/4), a partir das 19h, a Galeria Escola Guignard abre ao público a exposição "Era uma vez: quando professores eram alunos". A mostra reúne trabalhos de 36 docentes da instituição, realizados no tempo em que eram estudantes de graduação, e faz parte das comemorações pelos 80 anos da Escola Guignard.

    As obras são de tempos distintos, assim como abordam linguagens e temáticas diversas. Segundo o curador da exposição, professor Júlio Martins, a mostra buscou aproximar as experiências dos professores, que um dia já foram alunos, às experiências dos novos calouros da Escola Guignard. Ao mesmo tempo, é um modo de celebrar o legado da instituição e de seu patrono, o artista plástico Alberto da Veiga Guignard.

    Guignard veio a Belo Horizonte, em 1944, a convite do então prefeito da cidade, Juscelino Kubitschek, para implementar o Instituto de Belas Artes, hoje Escola Guignard, desde 1990 vinculada à Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG). O momento marca a fundação da arte moderna em Minas Gerais, devido o ensino revolucionário de Guignard, que privilegia a criatividade artística em detrimento da rigidez.

    A exposição "Era uma vez" ocorre até o dia 8 de maio, de segunda à sexta-feira, das 9h às 21h. A entrada é gratuita e a classificação é livre.

    Em paralelo à mostra, ocorre a exposição "A paixão segundo Guignard", na Grande Galeria Alberto da Veiga Guignard, no Palácio das Artes, até o dia 12 de maio. Em fevereiro, o concerto "Sinfônica pop: as Minas de Guignard" também celebrou o octogésimo aniversário da Escola Guignard, ações que fazem parte do projeto 80 e Sempre.

    Confira, abaixo, o texto curatorial da exposição:

    "- E lá no fundo é onde os artistas pintam os quadros!" Ao fim de sua primeira visita ao museu, a criança apontava para alguma área de acesso restrito, imaginando que ali viviam e trabalhavam os artistas que fizeram todas aquelas obras de arte vistas há pouco. Dita com a espontaneidade natural de sua idade, a frase provocou uma gargalhada imediata dos pais. Mas ainda que a anedota seja mesmo engraçada, a observação é absolutamente lógica, afinal, como é no restaurante e na padaria, onde há um "fundo" em que cozinheiros e padeiros produzem o que é trazido e se mostra ao público, ali também deveria ser onde ficavam os artistas, a trabalhar. Talvez por isso o museu fosse tão grande, por alojar muitos artistas, além das obras de arte. A conclusão infantil parte das premissas elaboradas a partir de suas primeiras experiências com o mundo e, conquanto ela elimine o tempo histórico da arte, por outro lado, valoriza a autoria do artista. Se depois a criança aprenderá, com algum enfado, que o museu é o lugar da arte, da cultura e da história da arte, qual será o lugar em que se encontram os artistas? Existirá um lugar deles?

    Desde 1944, com a chegada de Alberto da Veiga Guignard a Belo Horizonte e o começo de seu ensino modernista, a Escola Guignard tem sido um lugar habitado por artistas; por alunos-artistas, professores-artistas e artistas etc (evocando o termo de Ricardo Basbaum); lugar no qual artistas tomam contato com a arte, com fazeres e reflexões da arte; lugar onde artistas comem, bebem, amam, choram, aprendem, erram, seguem vivendo; lugar em que os artistas se nutrem da arte, e onde também produzem arte; onde se emocionam com a arte e também riem e gozam do mundo da arte. Fundada por um artista profundamente dedicado, a Escola Guignard promove intimidade com a arte, se oferece aos artistas como um prolongamento do espaço dos seus ateliês, acolhe seus universos poéticos tão diversos. É raro um aluno passar incólume ao ambiente de partilha de vida e de arte instituído na escola desde sua fundação até hoje.

    Segundo Antônio de Paiva Moura, historiador e Professor Emérito da Escola Guignard, os alunos sempre demonstraram um engajamento extraordinário e foram mesmo responsáveis pela defesa e manutenção da escola ao longo de sua heróica história de resistência em Belo Horizonte. O Professor Moura chama de "Período Discente" aos anos de 1950, data do primeiro regulamento registrado, até a morte de Guignard em 1962, "de vez que os alunos estão profundamente mergulhados nos problemas e iniciativas da entidade. Guignard atuava com prestígio, nome, força, filosofia e os alunos com entusiasmo, dedicação, liberdade de participação e com firmeza na bandeira do modernismo."1 Em 1951 foi organizado o Diretório Acadêmico, presidido por Arlinda Corrêa Lima, responsável por nada menos que "assumir o papel de uma fundação mantenedora da escola."2 Os alunos da primeira geração tornaram-se professores nesse momento e a escola dependia muito da participação dos alunos para conseguir seguir existindo como curso livre, desburocratizado, fiel ao liberalismo didático e aos propósitos modernistas de Guignard. Essencialmente, o que se pode chamar por método nas práticas educacionais de Guignard consistiu numa educação do olhar aliada à descoberta de uma linguagem própria. A atuação generosa do fundador da escola foi inteiramente empenhada em reagir às especificidades de cada aluno que acompanhava. Leiamos novamente o Professor Moura: "Seu ensino significa abrir a consciência do iniciante para seus próprios potenciais, fundados no experimentar, criar, observar, isto é, busca da aquisição da consciência de poder criar."3 Tornar-se aluno da Escola Guignard significa levar adiante esse rico legado, vivenciar o eterno lema guignardiano de "liberdade e disciplina" atentando à responsabilidade que ele implica, já que cabe a cada aluno-artista elaborar este princípio em sua arte, bem como em sua vida.

    A presente exposição é uma homenagem aos milhares de alunos de Guignard, desde a primeira turma de 1944 aos calouros que iniciam seus cursos neste semestre, 80 anos depois. Não se trata, porém, de mais uma exposição a reunir os professores da escola. Todos os trabalhos aqui apresentados foram realizados durante o período de graduação em Arte. Alguns deles podem, eventualmente, apontar elementos de origem, outros, ao contrário, se distanciam das poéticas desenvolvidas atualmente. Mas como será que os professores-artistas da Escola Guignard se reconhecem nesses registros, de quando eram alunos-artistas? Os vínculos entre professores e alunos foram rearticulados numa situação que permite o renovado encontro dos estudantes com seus mestres, mas aqui ambos em condição de estudantes, pares na arte, colegas sob o teto da Escola Guignard. A curadoria da exposição vislumbrou justamente deshierarquizar tais experiências discentes, aproximar temporalidades para mobilizar, no presente, heranças passadas e recentes da Escola Guignard ao longo de 80 anos de história.

    Júlio Martins, curador

    © 2024 UEMG